RIO - Aderbal Freire-Filho não se contém. Diante do palco, sentado numa cadeira ou de pé, age como um maestro. A cada cena ou diálogo, seus braços se erguem em movimentos ora expansivos e longos, ora curtos, angulados e nervosos. Aponta para um, chama outro à conversa, indica posições, pede atenção, faz repetir cenas e sobe ao tablado para ajudar o elenco a materializar seu jogo incessante de gestos.
Há mais de dois meses é assim. O diretor não para. E, quando para, a ansiedade com a estreia de "Orfeu", nesta quinta-feira, no Canecão, se torna evidente. Assim como a expressão de cansaço em seu rosto e a excitação com o desafio de recriar a montagem clássica que uniu Vinicius de Moraes e Tom Jobim pela primeira vez. Cinquenta e quatro anos após a estreia de "Orfeu da Conceição", num Teatro Municipal ornamentado com cenários de Oscar Niemeyer, Aderbal comanda 18 jovens atores negros na encenação da ópera greco-carioca escrita pelo poeta e musicada pelo maestro da bossa nova.
- Vinicius procurava um compositor para escrever as canções da peça, e foi assim que conheceu o Tom. Eles poderiam ter feito o trabalho e nunca mais se encontrado. Hoje sabemos que foi ali que se formou uma das parcerias mais importantes da História da música brasileira - diz Aderbal. - Compuseram para essa peça, e depois dela, verdadeiras obras-primas, como "A felicidade", "Se todos fossem iguais a você", "Lamento do morro"... Além dessas, incluímos outras canções feitas posteriormente, como "Chora coração", que cabe especialmente numa das cenas. Algumas parecem ter sido criadas para a montagem, é como se fossem uma extensão.
Muito antes da chegada de Aderbal - e das duas encenações realizadas por Haroldo Costa nos anos 90, e da montagem dirigida por Leo Jusi em 1956 -, tudo começou numa noite de verão em 1942. Vinicius de Moraes acabara de chegar à casa do pintor Carlos Leão, ao pé do Morro do Cavalão, em Niterói. Na estante do anfitrião, deparou-se com um libreto da ópera "Orfeu e Eurídice", de Gluck. O poeta não pestanejou. Retirou o livro da coleção e chafurdou na poltrona devorando suas linhas. Da janela ao lado, o morro ressoava uma batucada. Aproximava-se o carnaval. No relógio, passava da meia-noite. E o poetinha, numa única madrugada, destrinchou um rascunho que, às primeiras horas do dia, lançava-se como o primeiro ato de um "poema em forma de teatro", como hoje classifica Aderbal.
- Orfeu sempre me interessou por causa do negócio do poeta músico, do poeta total, né? - relatou Vinicius, em depoimento ao MIS, em 1967. - E, depois, por causa da relação sublime do amor dele por Eurídice. As duas ideias se fundiram. Eu senti o morro negro numa série daqueles elementos. As paixões, a música, a poesia...
Agora com direção musical de Jaques Morelenbaum e Jaime Alem, Orfeu é um sambista que vive no morro. Filho de um músico e de uma lavadeira, acredita ser capaz de vencer todas as adversidades através do poder da música. Ao se apaixonar por Eurídice, acaba por despertar o ciúme e o desejo de vingança em Mira, sua ex-namorada, e em Aristeu, que, apaixonado por Eurídice, decide matá-la no último dia de carnaval. Após descer o morro em busca de Eurídice, já morta, Orfeu retorna à favela, onde é assassinado por Mira e por outras de suas ex-amantes. Ao contrário de um roteiro de cinema, como os realizados pelo diretor francês Marcel Camus ("Orfeu negro", 1959) e por Cacá Diegues ("Orfeu", 1999), Aderbal não mexe no núcleo original do texto. Prefere destacar a natureza clássica da tragédia deixada por Vinicius, e cria variantes que reforçam o tom dominante da peça.
- Não criei novos personagens, diálogos, cenas ou conflitos dentro do texto, mas construí uma dramaturgia no entorno. Não chamo o meu trabalho de adaptação, é diferente do que foi feito no cinema - explica o diretor. - Originalmente, a peça tinha um coro e um corifeu. O coro agora são os amigos do poeta, e o corifeu é o poeta. Criei diálogos e cenas para esses amigos. Boa parte do que o poeta diz são versos do Vinicius. Pus em cena sonetos, canções e diálogos nos espaços onde a peça permite. São intervenções que dialogam com o original, mas não o modificam.
Há mais de dois meses é assim. O diretor não para. E, quando para, a ansiedade com a estreia de "Orfeu", nesta quinta-feira, no Canecão, se torna evidente. Assim como a expressão de cansaço em seu rosto e a excitação com o desafio de recriar a montagem clássica que uniu Vinicius de Moraes e Tom Jobim pela primeira vez. Cinquenta e quatro anos após a estreia de "Orfeu da Conceição", num Teatro Municipal ornamentado com cenários de Oscar Niemeyer, Aderbal comanda 18 jovens atores negros na encenação da ópera greco-carioca escrita pelo poeta e musicada pelo maestro da bossa nova.
- Vinicius procurava um compositor para escrever as canções da peça, e foi assim que conheceu o Tom. Eles poderiam ter feito o trabalho e nunca mais se encontrado. Hoje sabemos que foi ali que se formou uma das parcerias mais importantes da História da música brasileira - diz Aderbal. - Compuseram para essa peça, e depois dela, verdadeiras obras-primas, como "A felicidade", "Se todos fossem iguais a você", "Lamento do morro"... Além dessas, incluímos outras canções feitas posteriormente, como "Chora coração", que cabe especialmente numa das cenas. Algumas parecem ter sido criadas para a montagem, é como se fossem uma extensão.
Muito antes da chegada de Aderbal - e das duas encenações realizadas por Haroldo Costa nos anos 90, e da montagem dirigida por Leo Jusi em 1956 -, tudo começou numa noite de verão em 1942. Vinicius de Moraes acabara de chegar à casa do pintor Carlos Leão, ao pé do Morro do Cavalão, em Niterói. Na estante do anfitrião, deparou-se com um libreto da ópera "Orfeu e Eurídice", de Gluck. O poeta não pestanejou. Retirou o livro da coleção e chafurdou na poltrona devorando suas linhas. Da janela ao lado, o morro ressoava uma batucada. Aproximava-se o carnaval. No relógio, passava da meia-noite. E o poetinha, numa única madrugada, destrinchou um rascunho que, às primeiras horas do dia, lançava-se como o primeiro ato de um "poema em forma de teatro", como hoje classifica Aderbal.
- Orfeu sempre me interessou por causa do negócio do poeta músico, do poeta total, né? - relatou Vinicius, em depoimento ao MIS, em 1967. - E, depois, por causa da relação sublime do amor dele por Eurídice. As duas ideias se fundiram. Eu senti o morro negro numa série daqueles elementos. As paixões, a música, a poesia...
Agora com direção musical de Jaques Morelenbaum e Jaime Alem, Orfeu é um sambista que vive no morro. Filho de um músico e de uma lavadeira, acredita ser capaz de vencer todas as adversidades através do poder da música. Ao se apaixonar por Eurídice, acaba por despertar o ciúme e o desejo de vingança em Mira, sua ex-namorada, e em Aristeu, que, apaixonado por Eurídice, decide matá-la no último dia de carnaval. Após descer o morro em busca de Eurídice, já morta, Orfeu retorna à favela, onde é assassinado por Mira e por outras de suas ex-amantes. Ao contrário de um roteiro de cinema, como os realizados pelo diretor francês Marcel Camus ("Orfeu negro", 1959) e por Cacá Diegues ("Orfeu", 1999), Aderbal não mexe no núcleo original do texto. Prefere destacar a natureza clássica da tragédia deixada por Vinicius, e cria variantes que reforçam o tom dominante da peça.
- Não criei novos personagens, diálogos, cenas ou conflitos dentro do texto, mas construí uma dramaturgia no entorno. Não chamo o meu trabalho de adaptação, é diferente do que foi feito no cinema - explica o diretor. - Originalmente, a peça tinha um coro e um corifeu. O coro agora são os amigos do poeta, e o corifeu é o poeta. Criei diálogos e cenas para esses amigos. Boa parte do que o poeta diz são versos do Vinicius. Pus em cena sonetos, canções e diálogos nos espaços onde a peça permite. São intervenções que dialogam com o original, mas não o modificam.
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